Governo Bolsonaro, sem base formal no Congresso, se omite em 1/3 das votações na Câmara

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Foto: André Dusek/Estadão

Plenário da Câmara dos Deputados

Sem controle sobre a pauta da Câmara dos Deputados, o governo abriu mão de orientar o voto de seus aliados em 31% das votações realizadas nos primeiros cinco meses de mandato do presidente Jair Bolsonaro. A alta “taxa de omissão”, recorde nesse período desde a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), indica que, praticamente, uma em cada três propostas em tramitação não era de interesse do Palácio do Planalto – ou que o líder do governo preferiu não se manifestar por haver risco de derrota. As informações sobre como o governo orienta seus aliados foram extraídas da base de dados que alimenta o Basômetro, ferramenta do Estado que mede o governismo de deputados e partidos, e que está sendo relançada em novo formato. O Basômetro tem registro do que aconteceu no plenário da Câmara nos últimos 16 anos: 844 mil votos dados por 1.811 deputados em 2.427 votações. A ingerência menor do Executivo é mais um efeito das recentes mudanças nas relações entre os Poderes. Bolsonaro resiste a distribuir cargos em troca de votos, o que o deixa com menor poder de influência sobre o Legislativo, em comparação a seus antecessores. Com mais autonomia, o Congresso busca uma agenda própria de votações. Quando um projeto é votado em plenário, o líder do governo (deputado que representa os interesses do Executivo) vai ao microfone e orienta a base a votar contra ou favor – os aliados seguem a sugestão na grande maioria dos casos, embora isso não seja obrigatório. Em situações excepcionais, o líder libera o voto, para que cada partido ou indivíduo se manifeste como preferir. Nos cinco meses iniciais dos dois mandatos de Lula, apenas 11% e 13% das votações na Câmara não tiveram encaminhamento pelo líder do governo, respectivamente. Nas gestões de Dilma Rousseff (PT), essa taxa foi de 23% e 27%. No caso de Michel Temer (MDB), não houve orientação em uma a cada cinco votações. O Basômetro, ao calcular a taxa de governismo, leva em consideração a proporção em que os deputados votaram de forma igual ou diferente da orientação dada pelo líder do governo. Os casos em que o voto é liberado, portanto, não são considerados. É importante levar em conta essa ressalva ao se comparar as taxas de governismo de cada presidente. Na média da Câmara, Bolsonaro teve 76% de apoio desde que tomou posse – mas a taxa poderia ser menor se o líder do governo tivesse orientado a base mais vezes. O governismo na Câmara nos cinco primeiros meses de Bolsonaro não destoa muito das taxas do começo dos mandatos de seus antecessores. Lula, por exemplo, alcançou 78% e 77%, respectivamente, nos primeiros cinco meses de seus dois mandatos. Dilma Rousseff, logo depois de eleita pela primeira vez, chegou a 74%. Mas taxa caiu para 61% no início do segundo mandato, quando ela já enfrentava problemas de articulação com boa parte de sua base. No caso de Temer, a Câmara teve governismo médio de 77% em seus cinco primeiros meses como presidente. Problemas na articulação política de Dilma e Bolsonaro sugerem algo em comum entre os dois governos. Para o cientista político Murillo de Aragão, professor da Columbia University, as circunstâncias são muito diferentes. “Dilma propunha um presidencialismo de coalizão, abria os ministérios para os partidos, exigia fidelidade dos partidos, o que não acontecia”, observou. “E terminou no impeachment. Já Bolsonaro diz: se o Congresso pensa diferente, tem autonomia para atuar”. O Estado procurou o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), para que comentasse os dados do Basômetro. Ele alegou problemas de agenda e não respondeu. O presidente do partido de Jair Bolsonaro, deputado Luciano Bivar (PSL-PE), só apareceu em 11% das votações nas quais o governo orientou sua base a aprovar algum projeto na Câmara. O Basômetro mostra que, apesar de ser 100% governista quando aparece para votar, Bivar só esteve presente em oito ocasiões em que a base foi orientada – de um total de 71. Um dos poucos parlamentares do PSL com história dentro do partido do qual foi o fundador, Bivar viu em Bolsonaro a oportunidade de alavancar uma sigla nanica, que nunca havia tido resultados eleitorais expressivos. Ao filiar o então presidenciável, encampou um projeto que, além de chegar ao Palácio do Planalto, elegeu 52 deputados no ano passado — em 2014, havia conquistado apenas uma cadeira. Durante a campanha presidencial, Bivar chegou a abrir mão da presidência da legenda e a deixou nas mãos do advogado Gustavo Bebianno, que depois assumiu a Secretaria-Geral da Presidência – e foi o primeiro ministro a ser demitido por Bolsonaro. Agora, com o presidente empossado, Bivar é o sexto deputado que mais se ausentou de votações. O Estado tentou contato com Bivar para saber o motivo das ausências, mas o deputado não respondeu até a conclusão desta reportagem.

Estadão Conteúdo

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