Gestão Bolsonaro acelerou ‘canetadas’ sobre meio ambiente durante a pandemia

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Gestão Bolsonaro acelerou 'canetadas' sobre meio ambiente durante a pandemia

Foto: Reprodução / Agência Brasil

O governo federal acelerou a publicação de atos sobre meio ambiente durante os meses de maior crescimento da pandemia da Covid-19 no país.

 

Um levantamento do jornal Folha de S.Paulo, em parceria com o Instituto Talanoa, revelou nesta quinta-feira (29) que entre março e maio deste ano, o Executivo federal publicou 195 atos no Diário Oficial —entre eles, portarias, instruções normativas, decretos e outras normas — relacionados ao tema ambiental. Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16 atos publicados.

 

Ou seja, o número de publicações neste ano é 12 vezes maior do que em 2019.

Os atos da gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de forma geral, servem para direcionar o cumprimento das leis e complementar sua aplicação. No entanto, a análise também aponta que uma parte dessas medidas infralegais tentou mudar o entendimento da legislação.

 

De acordo com a reportagem, o resultado do levantamento vai ao encontro do que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu na reunião ministerial de 22 de abril, cujo teor veio a público em maio, após decisão do Supremo Tribunal Federal.

 

“Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, afirmou Salles no encontro.

 

Entidades ligadas ao meio ambiente e especialistas viram na declaração a confissão de que o ministro buscava, por meio de atos infralegais, desmontar as políticas ambientais previstas por lei —e cuja alteração, portanto, deveria passar pelo Poder Legislativo.

 

A análise das principais decisões publicadas confirma a direção de desregulamentação. Entre elas, estão decisões que repercutiram na imprensa e foram contestadas pelo Ministério Público Federal e pela Justiça, como a reforma administrativa do ICMBio, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação no país.

 

A reforma exonerou gestores especializados e centralizou a administração das unidades de conservação através de cargos ocupados por militares. A decisão é alvo de inquérito civil público.

 

A análise também revela, por outro lado, “boiadas” que passaram despercebidas. Um exemplo é a instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que regula o pagamento de indenizações no caso de desapropriação de propriedades localizadas no interior de unidades de conservação.

Em artigo que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, a instrução cria uma brecha que, na prática, facilita a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.

No início de abril, o Ibama passou a flexibilizar o cumprimento de obrigações ambientais de empreendimentos licenciados pelo órgão durante pandemia. A medida foi vista por ambientalistas como um ensaio, que, no dia a dia, adianta parte das flexibilizações defendidas no projeto da lei geral do licenciamento ambiental, que deve ser votado na Câmara neste semestre.

Em outra decisão, publicada em maio pela portaria 432/2020, o ICMBio centraliza a gestão de duas unidades de conservação em Roraima, cancelando a criação de duas bases avançadas do órgão na região, onde há registros recentes de invasão de garimpeiros.

Ainda em maio, o ICMBio publicou um código de ética com regras mais frouxas na relação entre agentes públicos e privados, permitindo que empresas paguem despesas de viagens de servidores.

 

Duas “boiadas” que vieram a público e contaram com reações expressivas acabaram suspensas. O governo recuou sobre a decisão que anistiava desmatadores da mata atlântica após manifestação do Ministério Público Federal. A medida alterava um entendimento dado por lei federal sobre o bioma.

 

Outra medida suspensa, dessa vez pela Justiça, foi a transferência do poder de concessão de florestas para o Ministério da Agricultura. A mudança de competência das pastas também está implicada na legislação.

 

“O Meio Ambiente é o mais difícil de passar qualquer mudança infralegal em termos de instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no Judiciário no dia seguinte”, disse Salles naquela reunião ministerial.

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